terça-feira, 8 de junho de 2010

Nasci um olho ambulante, mas só descobri que nasci quando minhas mãos reconheceram meu próprio corpo.

Minhas mãos são minha consciência, aquilo que possuí o potencial de formar algo concreto, portal para a materialidade.Com elas, eu entro em contato com o mundo e ele entra em contato comigo.

O primeiro cumprimento é o encontro de minha mão com sua mão, com seu ombro, com seu ser. Ela diz tudo, ao mesmo tempo que não diz nada. A mão indica desejos, dá pistas de nervosismo, responde ao medo, indica empolgação, demonstra abertura, declara fechamento, responde, responde e fala, dialoga, acompanha, faz declarações, tudo em silêncio.

Minhas mãos são meu livro aberto para o mundo, ponte para o outro, instrumento que carrego para conhecer e reconhecer. Elas estão de tal forma incrustadas nos meus dias que não as percebo. Mas basta um momento tocando uma a outra, deslizando sobre os objetos que me circundam para perceber a riqueza, toda a riqueza que ignoro na penumbra do que é habitual.

Olho para sua silhueta repleta de falanges e linhas. Essas linhas que carregam minha identidade na ponta de cada dedo, essas linhas que marcam minha palma e segredam meu passado e meu futuro.

Meu passado aparece nos calos, calos dos que carregam o lápis na mão desde que aprenderam a segurar um. E lápis para desenhar e escrever, para descrever, orientar, para pensar e rabiscar. Com a ponta do lápis descrevo e absorvo o que está à minha volta. Impossível saber se o contato funciona de fora para dentro ou de dentro para fora.

Mas a maior parte do passado está escondida na capa invisível das lembranças. Só eu sei onde essas mãos já passaram e como passaram. Quantas tintas, cadernos, livros e canetas ja manusearam, quantas pessoas já tocaram e acariciaram, quantas vidas já envoltou, abraçou, quantos objetos já reconheceu no escuro, quanto já me ajudou, em silêncio e objetivamente, essas mãos que agora olho.