sexta-feira, 9 de abril de 2010

Passagem na infância

Estava no colegial. Minha professora de Educação Artística organizara uma excursão para visitar a exposição temporária do Museu Vale do Rio Doce.
No ônibus fretado, a turma cantou músicas animadas para o entrosamento, algo relacionado ao roubo do pão na casa de um tal de João, até a chegada no local.
Na época, eu rabiscava muito durante as aulas. Desenhava, principalmente, personagens imaginários na contracapa dos cadernos. Todos contextualizados em histórias fantasiosas e mirabolantes de minha autoria.
Não pensava muito no conceito de arte. Mas, de acordo com minhas práticas, se relacionava à expressão de um sentimento ou sensação referentes a algum personagem de enredo específico. Mal sabia eu o quanto a exposição ampliaria meus horizontes.
Estava um dia quente, muito ensolarado. Enquanto nos acotovelávamos em uma fila idealmente reta, esperávamos a monitora para o acompanhamento na exposição. A professora deve ter introduzido algo sobre o artista e sua trajetória, não lembro muito bem.
Entramos em uma sala escura. Total negridão. Não sei se a falta de luz se fez sentir com mais intensidade pelo contraste entre os ambientes. Mas eu não esperava, absolutamente, aquela ausência toda. Na minha cabeça não fazia sentido uma exposição em lugar mal iluminado, esconder as obras para quê?
Então, quando os olhos começaram a se acostumar com o ambiente interno, comecei a perceber vários pontos luminosos vermelhos, quase como se uma nave espacial ou algo do gênero tivesse se instalado no meio da sala. Era grande, ia até o teto, ou assim eu pensava, já que na época não era lá uma pessoa muito alta.
O chiado, quando entramos no ambiente , era um tanto incômodo. Não podia distinguir um som de outro, era a sensação de ter entrado em uma sala em que todos começassem a falar ao mesmo tempo e a fazer sons distintos e isso se transformasse em um zumbido disforme e ininterrupto.
Cheguei mais perto, e só então pude perceber que não era uma nave, mas sim uma torre constituída de inúmeros rádios, alguns pareciam bem velhos, outros nem tanto. Enquanto eu contornava a torre radiofônica, dependendo da distância entre eu e as fontes sonoras, conseguia distinguir algumas músicas, ou vozes de interlocutores em seus programas matinais, ou, as vezes, somente chiados.
Foi quando recebi a informação de que a obra se chamava “Torre de Babel”. A partir desse momento, as sensações e as associações se misturaram em minha cabeça. Enquanto via o resto da exposição, uma parte de minha mente continuava refletindo o significado de tudo aquilo.
Foi a primeira vez que tive a sensação física de estar dentro de uma obra. E o mais impressionante foi que não se limitou às sensações auditivas, visuais e espaciais, mas aqueles minutos conseguiram ser prolongados tanto pela minha imaginação quanto por minhas reflexões. Foi como testemunhar uma indagação ou um mistério, porque não cheguei a uma conclusão ou significado, mas em uma multiplicidade, sem resposta final.
A obra “Torre de Babel”, de Cildo Meirelles, foi meu primeiro contato com o que mais tarde descobri chamarem de arte contemporânea.